Dia das mães - Advogada especializada em direito da mulher fala sobre leis e mitos da maternidade

15:49:00

Todo ano muitas mensagens em filmes publicitários emocionantes tomam conta dos meios de comunicação próximo ao mês de maio, para homenagear as mulheres que são mães. Mas basta percorrer um pouco grupos e perfis sobre maternagem e parto nas redes sociais para se deparar com uma realidade que é bem diferente daquela retratada pela publicidade:


Mulheres têm sistematicamente seus direitos violados quando estão prestes ou após se tornarem mães. Se já é complicado ter direitos institucionais garantidos só pelo fato de ser mulher, para as mães essa situação ganha um novo contexto.

Por isso, convidamos a advogada Marilia Golfieri Angella, sócia do Marilia Golfieri Angella - Advocacia Familiar e Social, especializada em Direito da Mulher, para falar de alguns questionamentos recorrentes das mulheres sobre seus direitos e se elas estão ou não protegidas pela lei em cada um deles.

- UTI neonatal – Estima-se que por ano no Brasil, 300 mil bebês nascem antes de 37 semanas, apresentam quadros clínicos graves ou necessitam de observação. Por essa condição acabam sendo levados para UTI neonatal dos hospitais públicos e particulares do país. As regras para as mães interagirem com essas crianças variam de acordo com a administração de cada unidade hospitalar, que muitas vezes acabam permitindo com que elas apenas vejam seus bebês por curtos períodos, mais ou menos 6 a 8 vezes ao dia – nos horários de alimentação do bebê.

O que diz a lei: O cuidado com a primeira infância é tão prioritário que em 2016 foi promulgada a Lei n. 13.257, que dispõe sobre políticas públicas para a primeira infância, e é esta lei, inclusive, que garante medidas para preservação do desenvolvimento infantil integral e saudável, inclusive no tocante à criação de vínculos afetivos. Portanto, entendemos que toda restrição arbitrária à visitação do bebê na UTI Neonatal pode ser objeto de discussão judicial. Ainda assim, é preciso avaliar a situação com parcimônia e bom senso, principalmente agora durante a pandemia do Covid-19. Tem sido cada vez mais comum a permissão de acesso irrestrito de ambos os pais do bebê à UTI Neonatal, inclusive em hospitais públicos do SUS, e também particulares, durante 24 horas.


- Plano de parto – As mulheres estão cada vez mais preparadas para ter seus desejos respeitados pela equipe médica. O plano de parto é uma ferramenta para isso e já é utilizada por médicos e parturientes para decidir detalhes sobre os procedimentos pré, durante e pós-parto, inclusive para se evitar possíveis violências obstétricas, como a tricotomia (retirada dos pelos pubianos), a litotomia (obrigação de se manter na posição deitada ou com amarração para parir), a episiotomia (o famoso corte para passagem do bebê), manobra de Kristeller (pressão na barriga da gestante para acelerar a expulsão do feto) e qualquer intervenção não autorizada no corpo da mulher, além da utilização ou não de drogas e hormônios.

O que diz a lei: Os cuidados com a mulher gestante antes, durante e após o parto são fundamentais para que não seja até mesmo comprometido o desenvolvimento saudável do feto e do bebÊ durante a primeira infância, com o comprometimento do aleitamento, entre outros efeitos negativos que podem advir de intervenções ilegais e inseguras. Assim, não só em relação ao direito a se realizar o pré-natal no SUS e até mesmo de conhecer a maternidade onde será realizado o parto durante o período da gestação (Lei 11.634/07), é também um direito da gestante ter um parto digno e respeitoso, com a observância ao plano de parto, respeitando-se as decisões familiares quanto ao nascimento do feto e seus primeiros momentos de vida, sempre em atenção à boa prática médica. Ou seja, a mulher tem direito a, por exemplo, ter à sua disposição recursos para que o parto normal ocorra, por ser a via justamente mais aconselhada e segura, a ter um acompanhante durante todo o procedimento, que pode não ser o pai do bebê, inclusive o direito de ser assistida por uma doula, que não haja raspagem dos pelos pubianos (tricotomia) ou lavagem intestinal, que ela tenha liberdade para se hidratar, comer, escolher a posição que quer ficar, não ser contida ou silenciada e quando e se quer receber analgesia durante o trabalho de parto e até mesmo direito de ter todo o processo de amamentação acompanhado por equipe técnica durante o período de internação, como dispõe o art. 10, inc. VI, do ECA.

Entrega voluntária do bebê para adoção – Outro assunto sobre o qual ninguém gosta de falar (não apenas no Dia das Mães, mas a vida inteira) é sobre o que fazer quando a mulher vive uma gravidez indesejada, especialmente considerando que o aborto no Brasil só é permitido em casos específicos (em caso de risco de vida para a mulher, causado pela gravidez, quando a gestação é resultante de um estupro ou se o feto for anencefálico). Para a mulher que não se encaixa nestas condições, cabe entregar o bebê para adoção ou seguir no papel de mãe. No caso da entrega para a adoção, esta mulher sofre uma série de preconceitos, ataques e até encontra entraves nos hospitais e outros ambientes que supostamente deveriam assisti-la e assegurar o cumprimento da lei. Por isso, a fim de evitar notícias como abandono de feto em locais públicos, ou mesmo tráfico de crianças indesejadas com adoções ilegais, precisamos falar sobre entrega voluntária.

O que diz a lei: A gestante pode manifestar o interesse de entregar seu filho para adoção durante a gravidez ou logo após o nascimento em postos de saúde, hospitais, conselhos tutelares ou qualquer órgão da rede de proteção à infância e será ouvida pelo Sistema de Justiça, podendo até mesmo ter direito ao arrependimento no prazo legal de 10 dias após a audiência. Todo esse processo é sigiloso, garantida a intimidade da gestante que assim desejar seguir. É um direito garantido pelo art. 19-A do Estatuto da Criança e do Adolescente, devendo haver notícia clara e adequada sobre o tema, inclusive em hospitais e postos de saúde, para que as mulheres saibam desta possibilidade no caso de uma gravidez indesejada e inesperada, isentando-as de quaisquer responsabilidades, inclusive penais, no caso de abandono da criança ou obtenção de vantagem indevida para entrega do recém-nascido a terceiros. Se conhecido o pai da criança, este será comunicado para manifestar seu interesse de permanecer com a criança, assim como poderá haver a busca por outros familiares para manutenção preferencial da criança no seio biológico.

Carga Mental – Na última década tem se falado mais sobre o peso do trabalho invisível executado pelas mulheres em uma família, especialmente quando envolve o cuidado com os filhos. Carga mental vai muito além de uma discussão feminista. O termo refere a todo o trabalho de organização e tomadas de decisões sobre a organização da casa e da rotina dos filhos, atividades que, na maioria das vezes, são destinadas às mulheres. E são as mulheres, principalmente mães, as maiores vítimas de burnout, ou estafa emocional. É preciso que haja uma mudança geral na sociedade com relação a isso em benefício da saúde física e emocional dessas mulheres.

O que diz a lei: Pai e mãe são igualmente responsáveis pelos filhos menores ou incapazes, tanto em relação ao afeto quanto em relação ao sustento material a partir da pensão alimentícia, podendo ser acionados judicialmente no caso de abandono. A sobrecarga imposta à figura materna, todavia, é notória e deve ser tratada com especial atenção pelas famílias, pela sociedade, nos órgãos públicos de saúde e assistência social, e pelo Poder Judiciário, atentando-se às questões de gênero em diversas esferas e pontos de vista. Isto porque durante todo o período gestacional, tal responsabilidade acaba recaindo majoritariamente em cima da mulher, pois, apesar de ser-lhe garantida pensão alimentícia nesta fase (alimentos gravídicos), é ela que assume os encargos físicos e emocionais decorrentes da gravidez, com oscilação de humor, alterações corporais etc. E mesmo após o nascimento da criança, o período do aleitamento também é exclusivo da mãe – a qual, frise-se, tem o direito de amamentar seu filho em ambientes públicos e mesmo após o retorno do trabalho, conforme legislação trabalhista. Há, portanto, uma sobrecarga natural, que precisa ser equilibrada com outras funções. Na legislação, observamos que tal sobrecarga pode ser observada e tratada pelo aspecto da saúde, com acompanhamento da mulher no SUS para tratamentos ligados à saúde mental; da assistência social, na busca por políticas públicas que auxiliam a rede de proteção da mulher e da criança, como contraturno escolar, direito à creche, etc.; e mesmo financeira, com auxílios governamentais como o bolsa família, moradia facilitada para mães solo, etc. Mas mais do que isso, precisamos falar sobre essa sobrecarga de forma clara e objetiva para que, no seio intrafamiliar, isso seja corrigido. Expressões como “meu marido me ajuda com as crianças”, “ele é um bom pai, porque ele cuida dos filhos”, “ele é um pai presente, pega as crianças a cada 15 dias após nossa separação”, “pelo menos ele paga a pensão”, passam a ser inaceitáveis, principalmente com a dupla jornada que mulheres enfrentam em seus trabalhos e em casa. Assim, a estafa emocional de mulheres deve integrar a política pública, mas também deve ser trabalhada em casa, com um maior equilíbrio nas tarefas domésticas por todos os membros da família, com tarefas igualitárias entre homens e mulheres, e também com uma maior observância, por parte das próprias mulheres, de que somos vulneráveis, falhas e que precisamos de uma rede de apoio fortalecida, especialmente quando falamos de criação dos filhos.

VOCÊ PODE GOSTAR DE ...

0 comentários

Web Analytics